O direito de não ser sobrecarregado para compensar o tempo de trabalho perdido
Decorrida uma semana sobre o recente apagão elétrico que paralisou grande parte de Portugal e Espanha e que acarretou sérios prejuízos e consequências logísticas e económicas, surge uma oportunidade para repensarmos sobre o direito a desligar, um tema cada vez mais central no nosso dia-a-dia e no mundo do trabalho.
Este direito, consagrado no artigo 199.º-A do Código do Trabalho, visa proteger os trabalhadores da pressão constante de estarem disponíveis para o empregador fora do seu horário laboral. Pretende assegurar um equilíbrio entre vida profissional e pessoal, criando uma barreira legal contra a cultura da hiperconectividade que a tecnologia moderna facilita.
O “desligar” proporcionado (e forçado) pelo apagão evidenciou a necessidade de nos desconetarmos do mundo do trabalho, e de não estarmos on-line 24h sobre 24h. Porém, esta situação foi excecional, pois não se tratou de uma escolha pessoal ou de um ato de resistência ao trabalho incessante, mas de uma falha técnica generalizada e, portanto, forçada. De repente, os emails ficaram por enviar, chamadas não puderam ser atendidas nem feitas, e a pausa não foi um direito exercido, sendo apenas uma consequência inevitável decorrente da interrupção generalizada das infraestruturas elétricas e das telecomunicações.
Ainda assim, a coincidência entre o evento e este conceito jurídico suscita questões interessantes: Será que o trabalhador, após um apagão, perde o direito de não ser sobrecarregado para “compensar o tempo perdido”?
A história recente mostra-nos que momentos de falha tecnológica costumam ser seguidos por picos de exigência: Emails acumulados tornam-se urgências, prazos a cumprir, expetativas alargam-se, no entanto, a resposta jurídica é clara: não! O direito a desligar não se suspende por falhas técnicas; mantém-se inalterado, salvo em casos de força maior que exijam contacto inadiável. Um apagão generalizado pode causar uma situação de emergência nos serviços hospitalares ou noutros serviços críticos, mas dificilmente justificará, principalmente no setor privado comum, um prolongamento indiscriminado da jornada laboral ou uma pressão extra sobre os trabalhadores para repor e compensar o dia de trabalho perdido.
Importa, por isso, sublinhar que o apagão, apesar de ter desligado o trabalho à força, não derroga os direitos laborais nem cria uma exceção para abusos laborais. Pelo contrário, relembra-nos do quão frágil são as infraestruturas sobre as quais assentam as nossas rotinas profissionais, e de como é urgente reforçar as garantias jurídicas que protegem o tempo pessoal.
O “apagão” que vivenciamos na semana passada funcionou como um espelho das tensões entre tecnologia, trabalho e tempo pessoal, da mesma forma que iluminou a necessidade de repensarmos os limites da disponibilidade laboral num mundo cada vez mais conectado. Mais do que depender de falhas técnicas para forçar pausas, precisamos de um compromisso cultural e jurídico mais sólido com o direito ao tempo próprio, num futuro onde a conectividade tende a ser permanente, o verdadeiro desafio será garantir que desligar continue a ser um direito.