Todos nós já ouvimos falar dos institutos da Interdição e da Inabilitação que diziam respeito à incapacidade de maiores.
Esses institutos normalmente eram aplicados a indivíduos que padecessem de doença grave e incapacitante e, nesse caso, seriam equiparados a menores e ser-lhes-ia designado um tutor, ou a quem sofresse de uma doença que não fosse totalmente incapacitante ou adoptasse comportamentos que o justificassem – por exemplo a prodigalidade – e, nesse caso, seria assistido por um curador, de quem dependia a autorização para praticar certos actos.
Ora, esse paradigma mudou radicalmente, com a Convenção Sobre os Direitos Das Pessoas Com Deficiência, adoptada em 13 de dezembro de 2006 pela resolução A/RES/61/106, aberta à assinatura em Nova Iorque a 30 de março de 2007 e ratificada pelo Estado Português em 2009, que introduziu uma visão diametralmente oposta à que era seguida até então da pessoa incapaz, promovendo o respeito pela dignidade inerente à sua condição, da autonomia individual (incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas), da independência das pessoas, entre outros princípios prosseguidos pela Convenção.
Assim, fruto da ratificação pelo Estado Português dessa Convenção, em 14 de agosto de 2018 foi publicado em Diário da República a Lei n.º 49/2018, que instituiu o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966.
Esta lei inovadora, que entrou em vigor em fevereiro de 2019, preconiza um novo procedimento e um acervo de medidas de acompanhamento, potencialmente aplicáveis ao maior que, impossibilitado – por razões de saúde, de deficiência, ou pelo seu comportamento -, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, tem agora uma participação activa, ao contrário do que ocorria nos institutos anteriores.
Assim, o acompanhamento deverá ser requerido pelo próprio ou, mediante sua autorização, pode ser requerido por outra pessoa a quem a lei confira legitimidade (por exemplo, o cônjuge, ou por qualquer parente sucessível), contudo, caso o maior não possa, livre e conscientemente, dar a aludida autorização, aquela pode ser suprida pelo Tribunal. No entanto, independentemente de autorização, também ao Ministério Público é conferida legitimidade para requerer o acompanhamento.
Com este novo regime que, como já se disse, instituiu a participação activa por parte do maior no processo, passou a haver lugar à audição pessoal e directa do beneficiário pelo Tribunal, deslocando-se o Juiz, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre.
Sendo de salientar que o acompanhamento limita-se ao necessário, em função de cada caso e só pode atingir direitos pessoais e “negócios da vida corrente”, se a lei o permitir e/ou a decisão judicial o impuser.
Assim, entre as várias medidas admissíveis, destacam-se:
– A representação geral ou especial com indicação expressa das categorias de actos para que seja necessária;
– A administração total ou parcial de bens.
Não obstante, é importante referir que as medidas de acompanhamento decretadas são revistas periodicamente pelo Tribunal – com a periodicidade que constar da sentença ou, no mínimo, de cinco em cinco anos -, devendo aquelas ser ajustadas à medida do estritamente necessário relativamente ao caso concreto.
Este novo regime substitui a figura do Tutor e do Curador pela figura do Acompanhante, que será designado judicialmente e que, em princípio, será escolhido/indicado pelo próprio acompanhado (sendo relevante e tomada em consideração a vontade do acompanhado na escolha do acompanhante), no entanto, caso aquele não escolha ou não indique pessoa para ser designado seu acompanhante, pode o tribunal designar oficiosamente um acompanhante nos termos do art.º 143.º do Código Civil.
O acompanhante, no exercício da sua função, deve privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada, devendo ainda manter um contacto estreito e permanente com o acompanhado.
Já os actos praticados pelo maior acompanhado, que não observem as medidas de acompanhamento decretadas ou a decretar, são anuláveis nos termos da lei.
Do ponto de vista processual impõe-se referir que o Processo Especial de Acompanhamento de Maiores passou a ser considerado processo urgente e de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, prevendo, ainda, que possam ser decretadas providências cautelares oficiosamente ou a requerimento.
Por último, mas não menos importante, importa desde já destacar a permissão consagrada neste novo regime, que confere ao maior a faculdade de, prevendo aquele uma eventual necessidade de acompanhamento (por exemplo, porque lhe foi diagnosticada uma doença degenerativa), de forma a acautelar preventivamente o seu futuro, poder celebrar um contrato de mandato “para a gestão dos seus interesses, com ou sem poderes de representação”.