Opinião de Leonor Lêdo Fonseca
Chegados ao século XXI, devemos ou não regozijar-nos com a Lei 60/2018 de 21.08?!
Se por um lado devemos congratular-nos com uma lei que legisla no sentido da igualdade salarial entre homens e mulheres, a quem são atribuídos iguais cargos para a mesma função, apenas e só deferindo na questão de género, por outro lado, devemos deter-nos na perplexidade de tal acontecer em pleno século XXI. Longe vão os tempos dos feminismos exacerbados, em que se queimavam “soutiens” e se lutava por uma igualdade “tout court” que nada tinha a ver com o género.
Hoje, luta-se por uma igualdade entre géneros, respeitando as diferenças inerentes à condição de cada um deles.
Afinal, apenas e só se luta pela igualdade de oportunidades, para seres, que apesar das diferenças se sabe serem capazes de atingir os mesmos objectivos, sejam-lhes facultadas as mesmas oportunidades.
A questão é muito mais vasta e cultural, tem a ver com uma mudança de paradigma do papel atribuído às mulheres durante décadas e alteração das mentalidades instituídas. É, portanto, um problema estrutural.
Sejamos pragmáticos, deixando de lado, meras questões políticas, sociais, culturais e estruturais, afinal, não deveríamos ser todos, independentemente do género, avaliados, remunerados e promovidos com base na competência e no mérito?!
Se estamos todos de acordo, qual a razão de ser da lei 60/2018 de 21 de Agosto?!
A verdade é que as Mulheres, de acordo com dados fornecidos pelo Fórum Económico Mundial, ganham em média menos 15,75% que os Homens, em termos de remuneração base, sendo que nos quadros superiores a percentagem chega aos 26%, de acordo com dados do Ministério do Trabalho.
Confrontados com este diagnóstico económico-social atinente às questões de género, no que respeita ao acesso ao mercado laboral, concluímos por um enorme atraso nas questões de acesso igual a trabalho e salários, diferente, apenas e só, pela questão de género.
O Fórum Económico Mundial refere, e passo a citar, “… o progresso na educação não se tem traduzido em ganhos equivalentes para as mulheres e homens, no que diz respeito a oportunidades, independência económica e liderança”. Pelo que, muito há a fazer, neste domínio, não devendo soçobrar a luta das Mulheres, crentes que estão na igualdade de oportunidades, que não passa de uma miragem.
Portugal, em pleno Séc. XXI encontra-se no 33º lugar do ranking mundial de acesso de oportunidades às Mulheres. Há mais de duas décadas que há mais Mulheres em Portugal com licenciaturas, mestrados e doutoramentos, contudo as disparidades salariais e de ascensão de carreira, por mais que as mulheres sejam mais qualificadas academicamente e representem metade da força laboral do país com trabalho a tempo inteiro, a verdade é que continuam a ver os lugares de topo, salvo raras excepções, ocupados pelo alegado “sexo forte”.
Questões culturais, ou uma cultura sem questão…?!
Serão as Mulheres menos capazes e eficientes e por isso merecedoras de um menor salário…?!
Claro que não.
O problema é que, continuam a ser menos valorizadas, nas suas inúmeras competências, penalizadas pela sua condição de Mulher e Mãe, com base numa discriminação histórica e totalmente enraizada que vê as pessoas do sexo feminino com trabalhadoras e líderes de segunda categoria, num preconceito inconcebível, fruto de anos de obscurantismo político e social.
Na senda de uma mudança imperiosa, prosseguindo a máxima de “a trabalho igual, salário igual”, urge lançar mão de novos mecanismos de informação, avaliação e correcção do trabalho prestado, e nisto esta Lei é pródiga trazendo luzes imprescindíveis.
A Lei 60/2018 de 21.08, que entra em vigor em Janeiro de 2019, exige a disponibilização anual de informação estatística que sinaliza diferenças salariais por empresa e por sector, obrigando as empresas a assumir políticas remuneratórias de transparência assentes em critérios objectivos e não discriminatórios, apresentando junto da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho, um plano de avaliação das diferentes tarefas a executar num ano, sendo que, e ainda, os trabalhadores, poderão, requerer à CITE – Comissão Igualdade do Trabalho e Emprego, a emissão de um parecer sobre remuneração discriminatória.
Se é verdade que todas estas medidas ínsitas nesta Lei revelam um progresso, triste é concluir, que a CRP – Constituição da República Portuguesa há muito clama pela proibição da discriminação salarial com base no género, e afinal é necessário legislar para ver concretizado esse anseio.
Não se trata de nenhuma benesse dada às Mulheres, mas sim, aos trabalhadores em geral.
Trata-se acima de tudo de uma luta pela igualdade de tratamento, de uma luta de Direitos Humanos e não de nenhum favor, que de forma parcimoniosa estejam a fazer às Mulheres.
Na tristeza da necessidade de legislar e sancionar, vamos aguardar serena e heroicamente o dia em que as Mulheres serão reconhecidas pelo seu mérito e não julgadas pela natureza da maternidade e da cultura da subserviência doméstica e cuidado da prole.
Se legislar, for um mal necessário, legisle-se, até que o estádio cultural e sociológico das sociedades actuais estejam tão evoluídos, que tal seja inerente apenas e só à condição humana.