Para a constituição duma servidão (seja por usucapião ou legalmente), tendo em conta o estatuído nos arts. 1543° e 1544° do Código Civil, é condição indispensável – mercê da sua natureza de encargo que limita os poderes do proprietário do prédio serviente – a utilidade que esta representa para o prédio dominante, como aliás já se verificava no Direito Romano, através do brocardo servitus fundo utilis esse debet.
A utilidade da servidão constitui, assim, o núcleo essencial deste direito real de gozo. Este não existe, nem se justifica, quando da limitação imposta ao prédio serviente não resulte qualquer benefício para o prédio dominante. E uma servidão que não represente um benefício, não só viola o princípio da tipicidade dos direitos reais, como ofende o princípio do conteúdo tendencialmente ilimitado do direito de propriedade, sempre que essa limitação (ou encargo) não se justifique face ao quadro objetivo das circunstâncias em análise (cfr. arts. 1305º e 1306º do Código Civil).
Portanto, perante uma situação em que se conclui que o prédio dominante não precisa da servidão, isso significa que existe desnecessidade dessa mesma servidão e existindo desnecessidade, esta conduz à extinção da servidão, conforme o disposto no artigo 1569º, n.º 2 e 3 do Código Civil.
Embora seja imanente e essencial à servidão que a mesma traga proveito ao prédio dominante, esse proveito pode não se justificar face à dimensão do encargo que resulta para o prédio serviente e à utilidade (ou proveito) que proporciona ao prédio dominante e, nesta hipótese, há que efetuar um juízo de proporcionalidade atualizado sobre os interesses em jogo e caso haja alternativa (isto é, seja garantida uma acessibilidade, em termos de comodidade e regularidade, ao prédio dominante com um mínimo de prejuízo para este, sem onerar, desnecessariamente, o prédio serviente) deve permitir-se a extinção, por desnecessidade, da servidão.
Assim, quando se trate de extinguir uma servidão (constituída por usucapião ou legalmente) por desnecessidade, nos termos do nº 2 do artigo 1569º do Código Civil, deve atender-se, tão-só, à desnecessidade objetiva, referente ao prédio dominante, em si mesmo considerado, o que significa que a extinção com esse fundamento tem de resultar de alterações objetivas, típicas e exclusivas, verificadas nesse prédio em momento posterior à constituição da servidão e, em consequência das quais, esta perdeu utilidade para o prédio dominante. A apreciação da utilidade ou desnecessidade da servidão deve ser objeto de um juízo de atualidade, no sentido de que há de ser apreciada pelo tribunal, atendendo à situação que se verifica na data em que a ação é proposta.
Todavia, existe uma exceção à extinção de servidões por desnecessidade: as servidões por destinação do pai de família não podem ser extintas por desnecessidade.
Este entendimento continua a ser francamente predominante na doutrina e praticamente uniforme na jurisprudência, fundamentando a diferença de tratamento das servidões legais e das servidões constituídas por usucapião em relação às servidões por destinação do pai de família na letra da lei (art. 1569º, nºs 1, 2 e 3, do Código Civil), que parece clara nesse sentido e no facto das servidões por destinação do pai de família serem consideradas servidões voluntárias, ou seja, têm origem num facto voluntário (seja por acordo ou por destinação) e, como tal, podem ser constituídas mesmo que não se mostrem estritamente necessárias, daí se justificar que não se extingam por desnecessidade.