Atento ao contexto excecional de emergência de Saúde Pública que temos vivido no último ano devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus SARS-COV-2, bem como, em resultado das medidas de controlo da propagação desse vírus, que determinaram o encerramento de diversas áreas do tecido empresarial português, forçosamente se conjetura e perspetiva num futuro próximo uma crise económica e social sem precedentes.
Ora, em resultado das medidas adotadas de controlo da disseminação da COVID-19, diversas empresas que foram impedidas de trabalhar ou viram a sua atividade profundamente condicionada, o que resultou numa diminuição abrupta das receitas, que, em muitos casos, determinou a extinção de inúmeros postos de trabalho e fez com que muitas empresas entrassem em situação de insolvência iminente.
Por sua vez, também inúmeras pessoas singulares, ao verem-se impedidas temporariamente do exercício da sua atividade profissional e constatarem que os seus rendimentos diminuíram abruptamente e nalguns casos até a cessarem, deixaram de ter capacidade de honrar com os seus compromissos e de satisfazer os seus credores.
Sendo que, para agravar a situação, o fim das medidas adotadas de apoio à resiliência empresarial e aos agregados familiares, como por exemplo as moratórias, está para breve, facto que irá aumentar a pressão dos credores sobre a generalidade dos devedores.
Assim, poderemos estar perante uma situação de insolvência caso se constate que uma pessoa não tem capacidade, no seu tempo de vida, de liquidar as suas dívidas, nem honrar com os seus compromissos.
Ora, prescreve o n.º 1 do artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado por CIRE que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Acrescenta o artigo 28.º do CIRE que “a apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respetivo suprimento”.
No entanto, saliento que também os credores têm legitimidade para requerer a insolvência do devedor, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
Importa desde já referir e o que releva para o presente artigo, é que os devedores, pessoas singulares, podem eventualmente beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante, ou seja, de um “fresh new start” mediante o qual uma pessoa poderá recomeçar a sua vida sem o “peso” dos créditos vencidos e não pagos, caso cumpra determinadas regras com zelo, pontualidade e responsabilidade, durante um período de tempo que se diz de “cessão do rendimento disponível” e que normalmente é de 5 anos, desde o encerramento do processo ou com a prolação do despacho inicial da exoneração do passivo restante e até à decisão final da exoneração nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 239.º e do n.º 1 do artigo 244.º, ambos do CIRE.
O momento de apresentação do devedor à insolvência é determinante para a viabilidade das suas pretensões, sendo que, caso seja apresentado fora do prazo, está sujeito a indeferimento liminar, nos termos do n.º 1 do artigo 238º do CIRE.
As pessoas singulares apenas estão obrigadas a apresentar-se à insolvência, no caso de serem titulares de uma empresa, por exemplo os empresários em nome individual ou comerciantes, sendo que nesse caso, devem apresentar-se dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência e a lei estabelece uma presunção inilidível relativa ao conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações (cfr. artigo 18.º do CIRE), sendo que, nos restantes casos, as pessoas singulares não são obrigadas a apresentar-se à insolvência.
No entanto, têm de o fazer no prazo de seis meses após a verificação da situação de insolvência, sob pena de o pedido de exoneração ser liminarmente indeferido nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.
Nessa sequência, para que o indeferimento do pedido tenha lugar nesses termos, têm de se verificar cumulativamente alguns requisitos, nomeadamente, a entrada do pedido depois de decorrido o prazo de seis meses após a verificação da situação de insolvência, o prejuízo para os credores, devendo aqueles alegar fundamentadamente esse mesmo prejuízo, e o devedor, que sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, de que não havia qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica.
Assim, no caso de o devedor, pessoa singular não titular de empresa, se apresentar à insolvência já passado o prazo de seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, o pedido de exoneração do passivo restante ainda pode ser deferido, caso essa delonga não se traduza em prejuízo para os credores, sendo que a acumulação de juros não se considera como prejuízo (vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-03-2019, processo 3616/18.5T8VNF-D.G1 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/01/2012, processo n.º 152/10.1TBBRG-E.G1.S1, in www.dgsi.pt).